As parcerias entre bairros e polícia se tornaram populares em diversos bairros, porém sua estrutura rígida ainda impede que o projeto funcione plenamente.
Por Julia Terra e Pedro Meirelles
Com a intenção de diminuir as taxas de criminalidade nos bairros e de resgatar a sensação de segurança, criou-se o projeto Vizinhança Solidária. Com um conjunto de ações que aproximam vizinhos, comunidade e polícia, a intenção é se beneficiar do conhecimento do indivíduo que está diariamente em contato com os problemas e os efeitos do crime. Utilizando suas percepções como ferramenta indispensável para melhorar a segurança pública local, o trabalho realizado é de prevenção primária.
A iniciativa começou no bairro do Itaim Bibi, zona oeste de São Paulo, após um grupo de síndicos procurar a Polícia Militar para apresentar medidas preventivas de segurança na região. O projeto é voluntário e entre os mecanismos de ação realizados pela Polícia Militar estão: reuniões de mobilização com a comunidade, identificação e aproximação com líderes comunitários; palestras que visam criar laços entre moradores, monitoramento dos indicadores criminais da região e criação de grupos no WhatsApp, com o objetivo de melhorar a comunicação entre vizinhos. Inspirado nos modelos de policiamento comunitário do Canadá, Japão e Reino Unido, a Vizinhança Solidária vem trazendo queda de furtos e roubos. Segundo dados fornecidos pela própria PM, a queda foi de cerca de 15% em todas as regiões atendidas pelo programa. Contudo, ele ainda não funciona em sua total capacidade.
Viviane Cubas, doutora e mestre em sociologia pela Universidade São Paulo (USP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP), afirma que um dos maiores impedimentos do programa em São Paulo é a relação entre sociedade e polícia. “É uma desconfiança mútua, tanto do lado da população quanto da instituição. Não existe o hábito de trocar informação, de tentar pensar sobre problemas e soluções conjuntamente. É uma das barreiras que têm que ser quebradas para se pensar em qualquer modelo de polícia comunitária em São Paulo, no Brasil”, comenta.

Viviane Cubas, pesquisadora do Núcleo e Estudos da Violência (Foto: Matheus Pimentel)
Marina Rebuzzi, de 22 anos e estudante de endocomunicação na USP, é moradora de Santa Terezinha, bairro na zona norte de São Paulo, área que conta com o Vizinhança Solidária. “Me sinto super insegura. Parece um programa que faz dos moradores vigilantes e isso nunca dá certo. Ainda mais em um bairro super militar . “Com essa coisa de “bandido bom é bandido morto” que as pessoas se sentem à vontade para fazer justiça com as próprias mãos, dá medo confiar no julgamento dos outros”.
A jovem também conta de um caso que não se sentiu segura para fazer uma chamada: “Uma vez quisemos ligar para eles [polícia], estávamos ouvindo uma briga dos nossos vizinhos e ficamos com medo de que o cara fosse agredir a menina, mas não quisemos chamar porque a mãe desse cara é policial civil.” Para ela, uma solução para o restabelecimento de uma melhor relação com os agentes e a instituição seria a desmilitarização, que mudaria a estrutura, ensino e preparo dos policiais.
A falta de confiança pode ser atribuída à grande truculência policial que se faz presente nas manifestações e em bairros de baixa renda. A falta de eficiência na prevenção e resolução de crimes, bem como as punições seletivas, também pioram a situação. Uma pesquisa realizada em julho de 2017, pelo Instituto Datafolha aponta que um a cada 3 brasileiros têm o tanto medo da violência urbana dos bairros quanto da Polícia Militar, que deveria preveni-la e remedia-la.
Outro fator prejudicial para o programa, segundo a socióloga Viviane Cubas, é a própria instituição policial. A sua estrutura extremamente hierarquizada e com disciplina fortemente rígida acaba por engessar o policial, não permitindo a ele tomar determinadas atitudes na rua ou desenvolver certos trabalhos na comunidade.
“O policiamento comunitário é um tipo que exige do policial lá da ponta – aquele que está na rua, no dia a dia – que ele tenha uma autonomia e capacidade de trabalho com a população muito grande.” Para ela, a maior dificuldade é que os policiais não têm essa autonomia por serem parte de uma polícia que foca no controle da instituição sobre seus agentes.
É uma série de questões que, dentro da instituição, acabam por podar uma atuação mais eficiente dos policiais nas ruas, como disciplina interna (até a mínima irregularidade pode causar punição) e casos de vaidade, em que o soldado não consegue desenvolver um trabalho por este ter maior projeção do que a do seu superior.
Para Cubas, se trata de uma instituição que apesar de dizer que tem o policiamento comunitário há tantos anos, ainda não conseguiu desenvolver um modelo pleno e que possa ser considerado como 100% comunitário. Como exemplo de policiamento comunitário de excelência, Cubas aponta o Canadá: “É um dos países que é referência nesse tipo de policiamento, pois ele (o fato de ser comunitário) é a alma da polícia. É um modo que fazer que está em toda a instituição. É assim que ela trabalha e pensa em segurança pública”.
Procurada, a Polícia Militar de São Paulo, através de sua assessoria, não respondeu à reportagem.

Fonte: Contra Ponto Digital